Um dia teu corpo irá dizer que não é capaz de se mover e tu não terá força para dizer o contrário. Às vezes tua cabeça será um grande poço vazio, às vezes te transportará pra dentro dela e viverá de lembranças que não conseguirá distinguir se são reais, sonhos ou desejos. Nesses dias teu peito irá apertar, terá uma bola na tua garganta, tua cabeça vai pesar, unhas e cabelo irão enfraquecer, sentirá o osso dos calcanhares e quinze facas cravadas nas costas. E em algumas noites, a dor transbordará involuntariamente pelos olhos.
Esses são os dias em que te desconectará de quem já foi um dia. Tuas qualidades estarão distantes e inalcançáveis. Tudo o que conseguirá sentir é que está quebrada, estragada. Nada funciona, nada tem conserto e o lugar de coisa assim é no lixo. Estará de luto pela própria morte e teu riso será de desespero. Esses são os dias mais ridículos, mais infantis, mais dependentes, toscos. Os dias em que se tem asco, vergonha de ser e demonstrar. Dias e noites pesados, atmosféricos, insuportáveis.
Haverá dias em que tudo vai estar flutuando em preto e branco diante de ti. Teu corpo será congelado e nenhuma música te dará vontade de bater os pés. Tudo será desconexo e irreal, teus olhos vão perder a capacidade de foco. O movimento da cidade será como um filme passando em plano de fundo e irá evitar qualquer tipo de toque e aproximação, qualquer esforço e o menor raciocínio, pois não estará presente no planeta.
O processo irá seguir e a maior percepção sobre si mesma será "me sinto uma cenoura"... Até que em alguma noite tu volte ao planeta e fique horrorizada ao lembrar que o ônibus que tu pegou pra ir pra faculdade atropelou uma pessoa e tu não foi capaz de erguer uma sobrancelha. "Credo, o que me tornei?". Tua indiferença começou a fazer mal às relações importantes, as pessoas se tornaram objetos e tu estava vivendo na beira da sociopatia.
Mas também haverá dias onde tu terá vontade de olhar pro céu, comer coisas gostosas, cantar, tocar, criar trocentas coisas ao mesmo tempo e fazer pessoas queridas rirem da maneira mais idiota possível. Nesses dias te sentirá lado a lado com quem existiu um dia, a lua vai te fascinar, te sentirá triste por não poder levar todos os cachorros de rua pra casa, terá vontade de expor opiniões e lutar pelo que acha certo, terá anseio por discutir teorias mirabolantes sobre o universo, o macro, o micro, a existência e consciência... Isso é se sentir viva. Teu ser por inteiro estará presente e conseguirá te reconhecer no espelho novamente.
E então... tu percebe que irá mudar de ideia muitas vezes. Querer algo em um dia e não mais à noite, e já no dia seguinte não irá querer nem desquerer. A constante será acostumar a ser alguém diferente cada dia. Tu vai querer desistir - mas por ter ciência disso, não irá. E no fim irá descobrir, ou finalmente aceitar, que é possível viver assim.
O tempo e conjugação de alguns verbos estão errados, uhuuu.
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