terça-feira, 14 de outubro de 2014

(In) finitude

Quantas vezes já nos sentimos culpados por escolher uma atividade de lazer ao invés de ser produtivo? Quantas vezes já matamos aula ou inventamos desculpas só pra estar com alguém que gostamos? Quantas vezes nos sentimos inúteis por perder tempo em algo que não era um investimento?

A ilusão onipotente nos faz dormir tranquilos com fé de que iremos acordar no dia seguinte. E se não acordarmos? Valeu a pena adiar um pedido de desculpas? Valeu a pena dedicar tempo da própria vida a um emprego entediante? Valeu a pena parar de falar com um familiar querido por causa de medo ou orgulho? Será que estaremos satisfeitos com o que coletamos até agora? A resposta é não, mas não porque não aproveitamos a vida... e sim por que mortos não sentem. Mortos não pensam. Mortos não vivem. Mortos perdem a vez. Mortos não tem nem o privilégio de sentir arrependimento.

É como se viver o presente fosse vergonhoso. Ser sábio e realizado é viver 100% no futuro, acorrentado ao superego. Muitas vezes abrimos mão do que queremos por pensar demais... e esquecemos de que a vida não é só isso. Na realidade, a superestimamos - ela é muito menos do que pensamos. Esperamos que ela seja perfeita, especial e corra nos trilhos até o fim. Ignoramos o suor e a vontade de ir ao banheiro porque acreditamos que chegar ao destino seja mais importante. 

É claro que não somos unicórnios vivendo num bosque anarquista cor-de-rosa, mas não há nenhum problema em se descer pra tomar um sorvete. Mesmo que isso não traga nenhum benefício a longo prazo, é sempre prazeroso dar ao corpo o gosto de algo bom. E a vida é feita exatamente pra isso. Na verdade ela não é "feita", simplesmente se nasce. Material orgânico e tempo não se importam com escolaridade e regras sociais, eles só acontecem. Estamos tão acostumados com a ideia de responsabilidade e ocupação do tempo, que não nos damos conta de que passamos a maior parte de nossa existência contando as horas pra ir pra casa - pra no melhor dos cenários, viver somente nos fins de semana. Somos brindados pelo acaso com o privilégio da existência e desperdiçamos nós mesmos. 

Tempo perdido em algo que se gosta nunca é tempo perdido.
É na simplicidade da vida que se entende a complexidade. 
Colecionamos acontecimentos com o tempo que temos.
A vida não passa disso, uma coleção.